Como empresas poderão gerar crédito de carbono em área de desmatamento; diretor do TNC explica
José Otávio os dirige organização que apoia concessão de Área de Proteção Ambiental à iniciativa privada; projeto prevê restaurar 10 mil hectares para gerar créditos de carbono
Shagaly Ferreira
11/06/2025
A primeira concessão florestal do Brasil voltada à restauração de áreas degradadas para o mercado de carbono pode reforçar um novo modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia. A expectativa é do diretor da organização internacional The Nature Conservance (TNC), no Brasil, José Otávio os. A iniciativa quer fazer com que empresas com dificuldades para reduzir emissões de carbono possam usar o mecanismo de compensação por meio de florestas que estão no foco do desmatamento ilegal.
Implantada na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará, a concessão foi anunciada pelo governo estadual na sede da B3 em março e vencida pela empresa Systemica. A negociação teve apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da TNC e de um consórcio técnico formado pelas empresas Vallya, Plantuc, Geonoma e Maciel Rocha Advogados.
O contrato prevê a concessão de uma área de mais de 10 mil hectares na região, que deve ser recuperada para o sequestro de 3,7 milhões de toneladas de carbono. A estimativa é que a operação movimente mais de R$ 800 milhões, com base na venda de créditos e outros serviços ambientais.
Novos editais de concessão para reflorestamento na APA Triunfo do Xingu já estão no radar e poderão ficar no foco de mais empresas. Ao menos para este ano, estão previstas mais duas áreas totalizando mais 30 mil hectares a serem concedidas nesse formato.
Para os, a concessão representa uma solução tanto para a grilagem quanto para o mercado de carbono. "O projeto gera como externalidade positiva a redução do desmatamento, porque ele mexe na lógica econômica. Ele substitui o modelo econômico que desmata por um modelo que regenera", diz. "Imaginamos que a demanda vai continuar pagando um preço alto pelo crédito de carbono e viabilizando os 12 milhões de hectares de restauração que precisam acontecer no Brasil."
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Qual o contexto que envolve a concessão de uma área da APA Triunfo do Xingu para manejo florestal e futura venda de créditos de carbono?
O Brasil já perdeu pouco mais de 20% da Amazônia, e um dos grandes drivers do desmatamento é a especulação imobiliária, que se manifesta a partir da grilagem de terras. Entre 30% e 40% do desmatamento na Amazônia acontecem em áreas públicas que não tiveram nenhum tipo de destinação. Se for uma área de fronteira que está no arco do desmatamento, é muito provável que o grileiro desmate aquela área e ocupe, em geral, com gado. Quando vemos os mapas, são grandes as áreas que têm um investimento expressivo no desmatamento e uma ocupação ilegal que nunca poderá ser regularizada fundiariamente. Isso significa que temos um estoque de áreas públicas desmatadas muito grande. Por conta da agenda climática global, é necessário, para além de reduzir o desmatamento, restaurar (a área). A meta do Brasil são 12 milhões de hectares de restauração, e a meta do Pará são 5,6 milhões de hectares. Precisamos recuperar a floresta amazônica e ter mecanismos que funcionem na escala de milhões de hectares.
E quais os mecanismos existentes hoje?
Não existem mecanismos para dar escala à restauração. Há uma série de gargalos. Um dos mais importantes é a falta de capital. Não há mecanismo financeiro e de operação que garanta a escalabilidade dos modelos de restauração. A luz no fim do túnel está nos mercados de carbono e no pagamento por serviços ambientais. Já há uma demanda por crédito de carbono, particularmente aqueles que advém do sequestro de gases de efeito estufa via crescimento de árvores. Pensamos em como conectar esse mercado com um modelo público-privado e surgiu a ideia, desenvolvida em conjunto com o governo do Pará, de concessão, na qual se pega uma área pública que foi desmatada recentemente e uma empresa privada faz o investimento para restaurá-la, com espécies que podem ser usadas nessa restauração.
Como funciona o modelo?
É inspirado nas concessões normais, como a rodoviária ou de saneamento. O governo entra com a terra e dá o direito ao concessionário de fazer a restauração e ficar com as receitas advindas dela. A venda de crédito de carbono é a âncora financeira desse modelo de negócio. A Systemica, que é uma empresa desenvolvedora de projeto de carbono de restauração, fará o investimento inicial na restauração. Tem parte da restauração que será de regeneração natural, mas tem áreas que precisarão de um pouco mais do que isso. Há dois processos: um de enriquecimento, no qual o processo natural de crescimento ocorre e é enriquecido com novas sementes, e há um de plantio direto, que é muito mais intensivo e caro para áreas muito degradadas, e é preciso fazer um plantio.
E qual será o método para essa área de 10 mil hectares?
É um combinado. A área foi escolhida por estar dentro da APA Triunfo do Xingu, que, por mais que tenha sido muito desmatada ao redor, ainda tem maciços florestais importantes. E ela está cercada pelo mosaico da Terra do Meio, que é um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas que estão em volta dela. O potencial de regeneração natural dessa área é muito alto ainda.
É por conta da regeneração natural que essa concessão dura 40 anos?
São várias razões. Há dois aspectos principais que influenciam a duração de uma concessão: questões operacionais, que envolvem a demora para fazer o investimento e para ter o retorno econômico; e (a questão de que) a floresta demora para crescer. É preciso um tempo de operação dessa concessionária, fazendo investimentos, cuidando da área, para que ela seja restaurada e a concessionária recupere o investimento dos primeiros anos.
A quais setores de mercado esse tipo de projeto vai atender melhor?
São os que têm limitações do quanto eles podem reduzir de emissões. Tem setores que são muito intensivos. A indústria do cimento, por exemplo, é um caso. Defendemos que eles têm que fazer a maior redução possível, mas chega um momento em que é impossível reduzir as emissões. Então eles vão ter que comprar crédito. Conseguimos ver esses setores que são hard to abate (termo em inglês para indústrias de difícil mitigação) se movimentando bastante, vários deles querendo investir. O outro setor que também é de difícil redução, pelo crescimento exponencial que vem tendo nos últimos anos, é o de tecnologia. Depois tem logística, petróleo, mineração, que são grandes setores importantes, que estão fazendo investimentos.
As árvores desse projeto podem ser utilizadas pela indústria para outros fins, como servir ao mercado de celulose, por exemplo?
O contrato permite, até certo ponto, a exploração madeireira marginal. Porém, na hora em que se faz a exploração madeireira, se reduz a emissão de crédito de carbono. Isso não desobriga a concessionária de terminar o período de concessão com tudo plantado. Então, se ela fizer alguma colheita de madeira no período, ela precisa compensar depois. Também é possível explorar produtos florestais não madeireiros. Há uma possibilidade de, por exemplo, explorar açaí, cacau, porém de forma marginal e que não impacte o resultado final em termos de integridade ambiental e ecológica daquela restauração.
Há impactos para as comunidades locais?
Não são impactos nem positivos nem negativos necessariamente, porque não há nenhum povo de comunidades tradicionais no entorno nesse caso específico. O que tem no entorno são várias propriedades rurais, das quais várias são de pequenos produtores. O interessante desse projeto é que ele não é um isolado, ele está dentro do contexto da APA do Triunfo do Xingu, que tem muitos agricultores familiares no entorno. Nós vemos que projetos desse tipo precisam e podem ser um polo de desenvolvimento sustentável local. Todo o processo de restauração gera muitos empregos, empregos verdes. Essa é uma externalidade positiva de que pouco se fala. Não é só um negócio de 10 mil hectares. Vai muito além disso, é um novo modelo de desenvolvimento territorial. Quando falamos de economia verde, é disso que estamos falando.
Uma vez que o projeto busca frear a lógica de desmatamento e mexe diretamente com os interesses de grileiros, como fica a segurança do negócio?
O projeto de restauração gera como externalidade positiva muito forte a redução do desmatamento, porque ele mexe na lógica econômica. Ele substitui uma atividade ilegal por uma legal. Substitui o modelo econômico que desmata por um modelo que regenera. Substitui grupos que cometem crimes ambientais por grupos privados com investimentos legítimos. Na APA Triunfo do Xingu, que era famosa nos noticiários por ser uma das áreas mais desmatadas do País, caiu 80% do desmatamento após o anúncio de que haveria essa concessão. A nossa hipótese era a de que, ao substituir a grilagem por uma atividade legal, seria mandada uma mensagem para os grileiros. E parece que essa mensagem foi escutada, porque o desmatamento no entorno caiu. Isso funcionou, primeiro, porque se está substituindo os modelos e mandando uma mensagem. Segundo, porque há um governo falando que concessões de restauração são um programa de Estado. A terceira razão é que há um equilíbrio contratual no qual a matriz de riscos entre o governo e a concessionária está equilibrada, no qual esse risco de invasão é compartilhado entre o governo e o privado. Então, é do melhor interesse do governo e é do melhor interesse do privado que eles façam em conjunto o combate a atividades ilegais e ao fogo. Se tiver invasão e tiver fogo, ambos podem acabar perdendo.
Por que houve o interesse do setor privado mesmo sob esse risco?
Tem um aspecto relevante que ajuda a explicar esse ponto nesse caso específico: conseguiu-se negociar com o BID uma garantia que assegura compromissos e responsabilidades do governo. Por conta dessa garantia, o privado sente muito mais conforto de investir, pois há uma garantia que não depende do governo. É o BID que está garantindo as obrigações do governo como parte da concessão. Isso é crucial, porque, se quisermos dar escala e ter várias concessões, vamos precisar de um instrumento de garantia para esse tipo de operações (no futuro). Vamos precisar que os bancos, principalmente os de desenvolvimento, o setor privado e os governos trabalhem em conjunto para estruturar um mecanismo de garantia que apoie projetos de desenvolvimento sustentável. O Estado do Amazonas tem potencial imenso para novos projetos de restauração. Pode-se chegar nos 2,7 milhões de hectares. Isso dá mais ou menos um investimento estimado de R$ 20 bilhões.
Sobre esse potencial de restauração de 2,7 milhões de hectares na Amazônia para o mercado de carbono, o futuro desse mercado está em concessões públicas como essas?
Havia muitos questionamentos e uma das principais questões era demanda. Sempre existiu muito ceticismo quanto a isso. E agora, há uns cinco anos, começou a ter uma consolidação da demanda, se chegou a padrões de certificação e a um entendimento maior por parte de potenciais compradores, desenvolvedores, Estados e comunidades tradicionais sobre o que significa fazer um projeto de carbono e qual o seu potencial. Para o futuro, precisamos continuar estimulando a demanda e a integridade da demanda, ou seja, que as empresas entendam o mercado, que elas façam a redução das emissões e que, quando elas não conseguirem reduzir, elas entrem no mercado para comprar créditos e fazer compensação com soluções baseadas na natureza. Queremos estimular os modelos de natureza por todos os benefícios que eles geram, tanto sociais quanto de biodiversidade. A segunda parte é garantir a integridade da oferta, para que organizações gerem, de fato, os créditos que afirmam estar gerando. Outra coisa é que precisamos de um marco regulatório que permita todo mundo operar nesse mercado e que maximize a quantidade de recursos que reduzam emissões e sequestram carbono. É um bom o existir uma lei, mas precisamos garantir que esses projetos sejam viáveis. O financiamento na entrada pode e deve vir, por exemplo, do plano Safra e de mecanismos privados financeiros. E, do outro lado, é preciso ter demanda, e imaginamos que essa demanda vai continuar pujante, pagando um preço alto pelo crédito de carbono e viabilizando os 12 milhões de hectares de restauração que precisam acontecer no Brasil.
https://uc-socioambiental.msinforma.com/economia/governanca/concessao-florestal-privada-triunfo-xingu-tnc/
Clima:Mercado de Carbono
Related Protected Areas: 5ce1p
- UC Triunfo do Xingu
6y6a22
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.